PARATY, Rio de Janeiro, Brasil, 8 Ago 2010 (AFP) -A 8ª Festa Literária Internacional de Paraty terminou neste domingo depois de cinco dias de celebração da literatura nos quais polêmicas questões políticas estiveram muito presentes em diversos debates realizados na pequena cidade histórica do sul do Rio de Janeiro (Brasil, sudeste).
Assuntos delicados, como repressão e fundamentalismo religioso, foram abordados em diferentes mesas literárias que atraíram um entusiasmado público. Um dos pontos altos foi quando a escritora iraniana Azar Nafisi, que mora nos Estados Unidos, fez na sexta-feira uma forte crítica à situação dos Direitos Humanos no Irã e à relação "amistosa" do governo do presidente brasileiro Luiz Inácio Lula da Silva com o do colega iraniano Mahmud Ahmadinejad.
"Lula pensa que este sujeito (Ahmadinejad) é seu amigo. Este sujeito apedreja seus cidadãos até a morte. No Brasil não há pena de morte. Como ele pode ser seu amigo?", disse Nafisi, aplaudida de pé por muitas pessoas ao fazer uma referência ao caso de sua compatriota Sakinheh Mohammadi-Ashtiani, condenada à morte por apedrejamento em seu país sob a acusação de adultério.
"Digamos que ela venha para o Brasil porque deixa o presidente Ahmadinejad desconfortável. Então terá que mandar todos os prisioneiros políticos, os jornalistas presos, todas as jovens mulheres que estão presas por causa de suas armas de destruição em massa, que são seus cabelos e batons (...) Calculo que cerca de 80% do povo iraniano deixa o sr. Ahmadinejad desconfortável", afirmou a autora do best seller "Lendo Lolita em Teerã" (2004), que em 1981 foi expulsa da Universidade de Teerã, onde ensinava Literatura, por se recusar a usar o véu.
Outra autora a falar de repressão a partir de um ponto de vista pessoal foi a cubana Wendy Guerra, cujos livros nunca foram publicados em Cuba, onde vive até hoje.
"Não sei viver sem a censura. Farei 40 anos em dezembro, nasci e vivi com ela me acompanhando. Desde pequena, aprendi a controlar o que digo. É duro dizer isso, mas não vou mentir, pois essa é a minha realidade", confessou a escritora cubana em uma coletiva de imprensa na quinta-feira.
Por outro lado, os intelectuais observam mudanças cada vez mais palpáveis no cenário político internacional.
O israelense A. B. Yeoshua, cuja obra "Five Seasons" (1987) foi considerada em 2007 uma das dez mais importantes depois da criação do Estado de Israel, ressaltou na sexta que "a ideia de dois Estados é aceita hoje pela maioria em Israel" e pediu a ajuda da comunidade internacional para que as negociações visando à criação de um Estado palestino sejam bem-sucedidas.
Já a escritora chilena Isabel Allende pediu na quinta-feira uma chance à direita no Chile, que foi governado de 1973 a 1990 por uma ditadura instaurada após o golpe militar liderado pelo general Augusto Pinochet após a derrubada de seu tio, o ex-presidente socialista Salvador Allende.
"Creio que (presidente chileno Sebastián) Piñera seja um homem de boa intenção (...) Eu não sei que tipo de governo vai fazer, mas precisamos dar a ele, pelo menos, o benefício da dúvida", considerou Allende.
Outro renomado escritor a ressaltar as transformações vividas pelo mundo atualmente foi o britânico Salman Rushdie, que em 1989 se tornou alvo de uma ordem islâmica (fatwa) na qual o aiatolá Ruhollah Khomeini incita os muçulmanos a matá-lo por seu livro "Versos satânicos".
Rushdie identificou mudanças "vindas de dentro" do Irã e de outros países islâmicos de governos conservadores. Ele frisou: "Para onde quer que você vá, há pessoa lutando por uma liberalização".
O fato de assuntos políticos e ideológicos terem ditado o rumo dos debates da Flip este ano não surpreende Azar Nafisi, que fez questão de ressaltar, durante sua participação na feira, que "a literatura existe para subverter, para mexer com a política".
Nenhum comentário:
Postar um comentário